quinta-feira, 16 de abril de 2020

Conflito Cósmico, o Textão


Passei os últimos sete dias envolvido em um estudo à distância sobre profecias bíblicas intitulado Conflito Cósmico. Ministrado por um pessoal adventista, a proposta do curso era não se ligar a nenhuma doutrina denominacional ou igreja. Ótimo — posso me equivocar com relação à ordem dos dias e assuntos abordados, pois todo o relato a seguir é baseado unicamente na memória que ainda mantenho acerca desse período de estudos, mas vamos lá.

De fato, no início, tudo parece muito isento e focado estritamente nas Escrituras; o curso inicia falando sobre a estátua de diferentes metais do sonho de Nabucodonosor (Dn 2:32-34), segue estudando os animais do sonho de Daniel (Dn 7:3-7) e no terceiro dia aborda especificamente o chifre pequeno que surge na cabeça do quarto animal (Dn 7:8), momento em é revelado tratar-se da igreja católica ou o papado romano. No quarto dia, o curso trata de fazer uma correlação entre sete festas judaicas e eventos bíblicos ocorridos ao longo da história, onde a Páscoa, os Pães Asmos e as Primícias representam a obra redentora de Cristo, com sua crucificação, sepultamento e ressurreição, tudo devidamente demonstrado através de slides bastante elaborados. Na sequência, ocorre um salto no tempo valendo-se de uma fórmula meio confusa onde dias são transformados em anos e, a partir de 457 a.C — ano em que um decreto de Artaxerxes I permitiu a reconstrução dos muros de Jerusalém — soma-se então os 2300 anos da profecia de Daniel até chegar ao número místico 1844, ano que marcaria a festa das Trombetas.

Para quem não sabe, 1844 entrou para a história como o ano do Grande Desapontamento, isso porque um grupo liderado por William Miller, os mileritas, com base nesse mesmo estudo do livro de Daniel e a partir do cálculo das 2300 tardes e manhãs, concluiu que este seria o ano da vinda de Cristo, o que fez com que muitos vendessem, doassem ou abandonassem tudo o que tinham para aguardar o arrebatamento que, como se sabe, não aconteceu. Contudo, um grupo remanescente dos mileritas — do qual descendem os adventistas — refez os cálculos e percebeu que eles estavam certos, mas o evento é que estava errado; 1844 não seria o ano da vinda de Cristo, mas o período temporal que marcaria a entrada de Jesus no lugar santíssimo do santuário celeste. A partir desse ponto, abordado no quinto dia do curso, começamos a perceber uma forte inclinação às doutrinas adventistas. Mas afinal, o que Jesus foi fazer no Santo dos Santos celestial a partir de 1844? Supostamente, analisar uma pilha gigantesca de livros para fazer o juízo investigativo de cada um conforme as suas obras. Pois é, segundo eles, Jesus seria uma espécie de burocrata que, não tendo concluído sua obra salvadora na cruz, estaria hoje sentado atrás de uma mesa, com um carimbo na mão, dizendo: “Próximo!”. Esta seria a característica da sexta festa, a da Expiação. A sétima festa, a dos Tabernáculos, ocorrerá no futuro, após a vinda de Cristo.

Pois bem, o curso segue fazendo uma relação entre as feras do sonho de Daniel e a primeira besta do Apocalipse, e a essa altura, ninguém se espanta quando é revelado que a besta do mar e o anticristo referem-se à mesma entidade: o Vaticano. E finalmente, no sétimo e último dia do curso (tinha que ser sete), é revelada a identidade da besta da terra: os EUA. Já alertando que este seria o dia mais difícil de entender, o professor larga a Bíblia e passa agora a usar uma série de prints de notícias relacionando o papa Francisco, os Estados Unidos, a ONU e o aquecimento global à sua teoria. Segundo ele, o sinal da besta seria o domingo, a marca de autoridade da igreja católica sobre o mundo.

O domingo estaria ligado à questão ambiental porque o papa teria sugerido em sua encíclica de 2015 intitulada “Sobre o Cuidado da Casa Comum” a adoção do domingo como dia de repouso da humanidade para o bem do meio ambiente. Segundo Francisco: “O dia de descanso, cujo centro é a Eucaristia, difunde a sua luz sobre a semana inteira e encoraja-nos a assumir o cuidado da natureza e dos pobres”. Ou seja, o papa representa o anticristo (Vaticano) que com a ajuda da besta da terra (EUA) instituirá o sinal da besta (domingo) a todos os povos e nações para que ninguém possa vender ou comprar, senão aqueles que tiverem esse sinal.

Terminado o curso, o que o professor não conseguiu explicar de maneira convincente foi: o que configuraria a adoração ao sinal da besta? Ele tentou responder fazendo um link com Ap 14.12: “...aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus”. Em outras palavras, aqueles que guardam os quatro primeiros mandamentos, isto é, os adventistas. Ele não citou explicitamente, mas de forma sutil foi isso que ficou exposto, pois quem observa o quarto mandamento, guarda o sábado, e quem santifica o sábado? Eles, os ASD.

O curioso é que todo o estudo foi feito a partir de interpretações, ou seja, sem pegar os termos-chave no sentido literal, e logo no início do curso o professor deixou claro: “Precisamos perguntar se o sentido do texto é literal ou figurado; se for literal, tudo deve ser literal, mas se for figurado, tudo tem que ser interpretado nesse sentido”. Mas, porém, contudo, entretanto, especificamente na palavra SINAL, simplesmente a palavra mais importante para a validação de toda a sua linha de raciocínio, ele fez questão de interpretá-la de forma literal, ao pé da letra, citando inclusive o original grego para indicar que a marca da besta não seria algo colocado nas pessoas, mas externo.

Em outras palavras, admitindo-se que o sinal da besta é realmente o domingo e que somente os adoradores do domingo — aqueles que respeitarem o “lockdown” mundial imposto pelo Vaticano através dos EUA — poderão comprar ou vender durante o resto da semana, como o governo ou o comércio saberá que alguém é ou não um adorador do domingo? Segundo o professor, esse controle não é importante, pois Deus sabe quem guardará os mandamentos (o bendito sábado) e quem guardará o domingo (o sinal da besta).

Resumindo: eles, os adventistas, seriam os remanescentes descritos em Apocalipse (12:17 e 14:12), uma espécie de igreja verdadeira dos santos dos últimos dias, pelo fato de anunciarem o juízo e guardarem os mandamentos, especialmente o sábado, o antídoto contra o sinal da besta. Pois é, esse foi o curso que no início se propunha a ser independente de doutrinas denominacionais e não puxar sardinha para nenhuma igreja. Obrigado por lerem até aqui, agora já podem me chamar de otário.

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