domingo, 26 de abril de 2020

O Poço


Depois de algumas recomendações, resolvi assistir O Poço, um filme de terror, original da Netflix, que tem provocado muito debate na internet acerca da problemática social abordada durante toda a exibição do longa. Aqui, deixo minha humilde opinião e tentarei não dar maiores informações para não estragar a “diversão” daqueles que ainda não o assistiram, também não me pegarei a detalhes técnicos ou inconsistências no roteiro; afinal, trata-se de uma ficção e, como tal, certos pormenores não precisam fazer muito sentido.

Pois bem, o poço é basicamente uma prisão vertical, aparentemente subterrânea, que desce centenas de andares, sendo uma cela por andar, cada uma ocupada por duas pessoas. A dinâmica toda gira em torno da necessidade de alimentação; como a comida desce de cima para baixo, aqueles que ocupam os andares superiores se banqueteiam enquanto os de baixo vão ficando com as sobras, ou seja, quanto mais profundo o nível da cela, menores são as chances de chegar alguma comida até lá. Com isso, não demora muito para percebermos o que acontece quando as pessoas são lançadas em níveis profundos onde a comida raramente chega, ou nunca chega; suicídios, assassinatos, canibalismo e uma série de atrocidades afloram das pessoas desesperadas para sobreviverem ou para porem um fim ao sofrimento. O interessante é que, assim como ninguém escolhe em que nível social irá nascer, as pessoas no poço são colocadas em andares aleatórios onde deverão passar o período de um mês; terminados os 30 dias, há uma nova redistribuição e as pessoas são colocadas mais acima ou mais abaixo, sempre de forma aleatória, até que cumpram todos os meses de permanência no Centro Vertical de Autogestão, o poço.

É claro que se cada um comesse apenas um pouco, as chances de todos seriam maiores, podendo até mesmo a comida ser suficiente para alimentar todos os níveis, ainda que de forma muito precária, mas considerando que ela é distribuída apenas uma vez por dia, sem possibilidade de guardar um pouco para depois, as chances dessa estratégia dar certo são mínimas, ainda mais porque as pessoas não sabem exatamente quantos níveis existem; além disso, depois de passarem fome e desespero em níveis inferiores, elas tendem a ativar seus instintos de sobrevivência e tudo que conseguem pensar é em viver mais um dia; por conta disso, quando conseguem sair da escassez para a fartura, ou mesmo para um nível intermediário, aproveitam para comer o máximo que podem sem se importarem com aqueles que inevitavelmente ficarão sem comida, afinal ninguém se preocupou com eles quando tiveram que enfrentar a fome.

Ou seja, para que ninguém ficasse sem comida no poço, seria necessário que houvesse uma solidariedade espontânea de todos, e cada um pensasse mais nos outros do que em si mesmo, o que é praticamente impossível, pois apesar de alguns afirmarem que o homem é essencialmente bom e torna-se mau por ser produto do meio em que vive (a sociedade), a realidade mostra que a sociedade é cruel porque é constituída de pessoas cruéis em sua essência. Gula, avareza, ira, inveja são intrínseco do ser humano e facilmente identificados no filme.

Enfim, muita gente tem falado sobre uma suposta mensagem passada pela alegoria do poço; e apesar do próprio filme enfatizar isso, que há uma mensagem ali, ela não é clara — até mesmo porque se trata de um terror — de forma que o filme se presta muito mais para chocar as pessoas do que para transmitir algo. Contudo, há sim diversas referências e citações relacionando-o a questões sociais, literárias e religiosas, mas o interessante é que cada um tire suas conclusões. De minha parte, afirmo que o final fica em aberto justamente porque não há nenhuma garantia de que as ações humanas, por mais bem intencionadas que sejam, poderão ser capazes de subverter o sistema, pois este, quando muda, apenas troca uma forma de opressão por outra.

PS: o filme é perturbador e desaconselhado para pessoas sensíveis. Caso decida assisti-lo, evite fazer isso antes de ir dormir.

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